"Meu livro e meu diário interferem um noutro constantemente. Eu não consigo separá-los. Nem consiliá-los. Sou uma traidora com ambos. Sou mais leal ao diário, porém colocarei páginas do me diário no livo, mas, nunca páginas do meu livro no diário, demonstrando uma fidelidade humana à autenticidade humana do diário" ANAIS NÏN

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dedico a voCê

Há de se comer do banquete sem se perguntar qual seria a entrada, o prato principal ou mesmo a sobremesa. Beba. Coma. Desfrute. Não se importe com os temperos. O prazer esta no destempero, no inesperado. Isto é mais uma daquelas resoluções pseudo intelectuais, e que na verdade apenas refletem o que tomo para mim como uma realidade mais do que psíquica, mas uma estética de vida. Sim, tenho muito pouco falado de vida. Pois, tenho a necessidade e a urgência de vivê-la. Me escondo numa toca, como um coelho. Mas não assustado, apenas a espreita, sabendo que em algum momento meu esconderijo pifará e terei que assim estar exposta. Mais do que já estou.

Destes dias que já quase parecem um mês, escrevo estas mal traçadas linhas. Não exatamente porque queira, mas porque haja interrogações no ar. O que isso quer dizer que existem perguntas. Fique atento agora porque vou falar sobre os pequenos mistérios cifrados aqui. Coloco, exponho, rasgo em palavras frias de um monitor. É uma pequena experiência mística, mítica, misteriosa. Assim como meu rosto é meu inconsciente. Sei que existe, mas apenas posso sabe-lo por percepção de minhas mãos, e sua manifestação, talvez num espelho. Agora me utilizo do Outro como meu espelho, aquilo que reflete o que de mim há de inconsciente.

Vai te preparando, a coisa vai longe... talvez não em expansão, mas em saltos, pequenos e grandes de idéias... em devaneios...

Me disponho a falar de algumas coisas. Concordo! Concordo que há em algum momento tenho que me esvaziar de significados para adquirir outros. Mas algo me diz que isso já não pode ser mais desta forma, há um outro movimento em mim agora. Trabalho com uma mudança muito abstrata e sutil, que em suas manifestações internas é poderosa e rearticuladora. Não sei bem ao certo que fascínio é este que me domina. É quase uma insanidade que brilha em meus olhos o tempo todo. Destempero. O destempero que tempera a minha salada.

Vivo em curto circuito com o mundo. Ou melhor vivemos. Estamos em relação. Em algo tão profundo, que se funde. Nosso tempo. O nosso tempo, apenas nosso e vemos momentos em relógios enlouquecidos na cidade insana... Mais uma comprovação de que vivemos na dobra do momento criador e no momento do encontro. Na esquina.

Nós que atravessamos ruas, por vezes sozinhos ou acompanhados. Por vezes solitários em companhia e acompanhados por um eu-com eu mesmo- em mim mesmo. A questão é que por vezes, pessoas tiveram que atravessar ruas e dobrar as esquinas da existência. E nós continuamos andando. Até que... num momento, numa dobra, sem ter que atravessar nenhuma rua, esbarramos na esquina. E estávamos indo na mesma direção. E agora continuamos. Sem atravessar ruas e pouco ligar para os sinais de pare e atenção. Tudo se torna um grande sinal verde.

Por isso somos realização, somos vivos, somos experiência, somos aquilo que não se pode pegar, somos mutantes em nós mesmo. E nosso encontro será para sempre meta livre. Sabemos que somos dois, mas por uma capacidade única, conseguimos estabelecer uma relação profunda. Conseguimos uma bi-empatia, toda nossa sensibilidade está ativa para o outro. Conseguimos nos perceber e por isso nos relacionamos, sem a arrogância de saber o que se passa com o outro, temos consciência da nossa limitação, o que nos dá ilimitação de experenciar.

Não há nada a ser esperado, é o inesperado que pulsa a vida. É assim foi o encontro numa esquina, não qualquer, mas aquela. Só aquela. Eu não fui até você, e nem você veio até mim. Não se forçou nada. Cada um tem e teve e terá seu processo. Conheci para ser conhecida, me abri para abrir o sorriso alheio. O desejo é o alimento. E nele estou me fartando.

O que há de se fazer? Afinal, há o que fazer? Algum ato gerador ou que corte que promova qualquer coisa... qualquer coisa.... redijo cartas num editor de textos... sinto toda a reversibilidade que a vida não tem. Sinto que num teclar posso voltar atrás em palavras que disse, na vida não... nem mesmo o ato encima do teclado é reversível, apenas o que foi provocado pelo mesmo... ao contrário da boca. Se mexe, fala e não há como remediar.

Não faça nada, ou melhor faça tudo. Faça tudo sentindo o mundo e devolvendo a ele a sua energia, pulse sobre as coisas, pessoas, objetos. Sobre vc mesmo. Não encare isso como narcisismo. È apenas mais um devaneio. E são nos devaneios que conseguimos nos alinhavar em sonho, realidade e fantasia. Isolando as pressões... o que se quer realmente? Fale para si mesmo, o que vc não quer escutar. Seja o seu melhor Outro. Sangre absurdamente, faça esta entrega solitária, talvez seja a única coisa que nos salve desta apatia que nos mata. Não tema em ser louco, ser louco é não se entregar a vida. Pague o preço da vida, ou estará para sempre amarrado a uma imagem fake, nem mesmo “refletível” num espelho.

Ignoro por vezes o impacto de mim sobre o outro. Talvez porque meu espelho esteja opaco. Novamente: espelho opaco. Não, não é o espelho opaco, mas o que meus olhos míopes tem dificuldade de discenir. Os meus olhos que estão acostumados a não me ver refletida no outro. È exatamente o inverso do narciso. Nego o espelho, não porque seja ruim, mas porque não estou acostumada a felicidade da reciprocidade. Porque não quero lidar com as idealizações, com as minhas próprias (que tento ... riam... de forma racional e ponderada) e as idealizações dele. Estas segundas que tanto temo em falhar, mas não sou massa de modelar. E nem ele quer.

Mas me faço passar por pequenos testes de crueldade, de mim para comigo mesma. Por que assim, provo para mim a minha fantasia de que sou uma rocha. De que nada me atinge e que tenho compreensão suficiente para que sustentar. Mas é apenas um devir rocha. Aguentar a arrebentação é tudo que quero. Mas nem sempre é possível. Por isso necessito tanto de algum ponto de segurança. Pela primeira vezes o ponto de segurança é exatamente o que me confere a insegurança.

Digo isso, porque sei que o objeto (ser amado) se sobrepôs às imagens. Assim é o início da paixão. Ele é o meu desejo e assim se configura, assim como eu sou o desejo dele. E com certa melancolia abstrata esqueço dos limites, para assim fugir de qualquer tipo de desemparo que possa ser criado por minha fantasia. Pq não estou desemparada, não mais no sentido freudiano. Tenho noção da minha solitude, e agora tenho um companheiro de solidão. Alguem que fico em silêncio. Alguem para o tudo e o nada. Parece tudo um tanto quanto blue... mas não é... é sereno, ao mesmo tempo que é impetuoso. Meu amor não é algo que venha sozinho... está junto com tudo isso e muito mais. Coisas que não há palavras para.

Por isso, não invisto em minha idealização como “ser amada”, mas invisto nesta melancolia, que paradoxalmente é narcísica. Com este peso em minha alma não saio flutuando em minha leveza maniaca, e assim consigo entender também os desabores daquele que quero só os sabores.


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©2007 '' Por Elke di Barros