"Meu livro e meu diário interferem um noutro constantemente. Eu não consigo separá-los. Nem consiliá-los. Sou uma traidora com ambos. Sou mais leal ao diário, porém colocarei páginas do me diário no livo, mas, nunca páginas do meu livro no diário, demonstrando uma fidelidade humana à autenticidade humana do diário" ANAIS NÏN

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Migrações


Às vezes o texto me vem assim... de pronto.... BOOMMM!!! como uma explosão. Inteiro: começo, meio e fim. Às vezes se perde. Às vezes se acha no meio de outro texto ruim. OU mesmo numa abricolage de textos, se acha um.
Comecei um (mentalmente) enquanto lavava a louça. É... mulheres... Modernas ainda por cima... lavando louça? tenho para mim que ser mulher e moderna é cuidar. Parece que isso está meio em desuso. Mas cuido. Não apenas de mim, do outro, mas também do meu texto. Mesmo que comece e não o termine. Mas há, aqui, uma tentativa de fazê-lo. cuidá-lo. Compartilha-lo.
Comecei-o imaginariamente. Aos poucos recupero um fragmento... um aqui... outro lá... vou coletando aos poucos, como conchas na praia. Não sei bem o que fazer, um colar, um elemento decorativo ou apenas te-las.
Mas o que fazer se mesmo assim a idéia principal se perder? Fazer o quê?
O que se perde, ganha-se em seguida. Numa casa em que se deveria ter canetas, láspis... instrumentos de escrita, quase não há. Por pouco não perco toda esta idéia. Ou quase idéia. A minha concha.
Todo este sentimento.
Tudo o que tento opacamente escrever. Não sei bem para que escrever, além da vontade de alimentar meu desejo de catarse. É quase triste como me prendo a uma não-neurotização, quando na verdade estou alimentando-a com leite ninho para que fique bem gorda. É quase triste. Mas não é. É existência.
Existir é este limiar entre uma tristeza melancolica, a procura de algo que não se sabe que se perdeu, e uma alegria maníaca, quase histérica.
O que pensava na pia era em uma aluna. Ela sempre me pareceu séria. Séria no sentido daquelas pessoas que te passam segurança, que quando falam é um pouco trovejante. Ela sempre me pareceu muito senhora de si, o que em alguns momentos desculpava a sua aparente grosseiria. Percebo que não estou mais acostumada com pessoas de opinião firme. Quando ela me contou sua passagem com um determinado livro. Algo de diferente aconteceu. Meu modo de ve-la mudou. Me marcou. Era algo doce e triste. Quase simpático. Respeitei mais ainda a sua opinião. Ou mesmo quando no seu silencio ela me olhava em sala. Seu olhar era meu ponto de apoio em minhas explanações.
Para que algumas pessoas nascem prontas para a vida. Como parece ser o caso desta aluna. Outras não. Acho que pertenço a esta categoria, dos não prontos para a vida. Mas não estou estagnada, procuro esta vida, assim como procuro este texto.
Mudo tanto, muito. Extamente porque experencio. Não tenho esta coisa (presença adultificada), mais pareço quase uma criança. Meio birrenta, meio dengosa, mas que sempre vê aviões e onibus em caixas de pasta de dente.
Cada vez mais me torno lúdica. Processo inverso. Deveria estar me entregando a racionalidade dos anos, mas cada vez mais me descolo disso. Me abro para um mundo diferente. Mesmo com mensagens escritas no espelho do banheiro que não consigo apagar. Então deixo. Deixo lá, que o novo inquilino a apague, que cuide daquilo que não quero e não dou conta de fazer. Não há nada de errado nisso. São apenas alguns limites do momento. E que em outro momento não existem mais.
Neste universo, meio paralelo e alucinatório, em que tudo meio que se mistura, vem a dor, a alegria me mostrar que minha carne é fraca. Meu corpo é frágil. Mas que aquilo que é amorfo em mim é forte. Forma-se uma pérola. Um pequeno câncer ambíguo. Sou assim, feiosa por fora (meio fora dos padrões e da casinha, também), mas por dentro há algo precioso, raro. Mas é preciso ter o instrumento certo para abrir. É quase uma violência. É preciso mostrar a carne frágil para ter o tesouro. Por isso sou reservada. Aquilo que em mim é precioso é aquilo que é frágil em mim. Ao ser forçada a me revelar, desmontar, posso morrer.
Mas ainda há a surpresa para o outro. Será que haverá uma pérola nesta ostra?
Acho que alguém finalmente a encontrou....

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