"Meu livro e meu diário interferem um noutro constantemente. Eu não consigo separá-los. Nem consiliá-los. Sou uma traidora com ambos. Sou mais leal ao diário, porém colocarei páginas do me diário no livo, mas, nunca páginas do meu livro no diário, demonstrando uma fidelidade humana à autenticidade humana do diário" ANAIS NÏN

quarta-feira, 8 de julho de 2009

2 com 2 são 5

O rio não precisa do mar. Mas o mar, mesmo em sua imensidão precisa do rio. Por que afinal o rio tem que correr para o mar? Descarta-se a idéia de que o rio é apenas mais um?
O rio quando dessagua no mar quase desaparece. O rio pode chorar. Pode chorar desanguando no mar ou num deserto. De qualquer forma suas águas são inuteis.
Talvez o foco esteja demais onde o rio acaba, não por onde ele passa. O rio ainda existe em seu percurso.
Pensando no encontro do rio com o mar num determinado ponto vê-se do que estou a escrever. As aguas do mar e do rio não se misturam, mas provocam um fenomeno. Um evento único. Agua salgada e agua doce percorrem lado a lado, cada um o seu destino. E isso não quer dizer que se atravessem. Seguem em paralelo. E isso também não quer dizer que seja na mesma direção. O fato é que não se tornam uma coisa só. Criam uma terceira. Algo que só é possivel observar naquele momento e naquele ponto específico. É o espaço e tempo da vida.
Para se construir usinas de força tem que se canalisar o rio, represá-lo. Colocar a força que antes ia para o mar, para outro lugar. As consequencias são terras ferteis de baixo d´água, submerso. Metros e metros da superfície. Elimina-se o que antes tinha de selvagem, de intocado ou até mesmo construções já edificadas. Até isso é destruição em prol de uma ação racional e de mais pura necessidade. O desejo não cabe mais nestas relações de curso e percurso do rio. É a vontade alheia.
Sigo escrevendo em nome do rio porque é o que me resta. O rio que antes transbordava espontaneamente por si mesmo, agora se recolhe. É época de seca. Em seu leito suas forças se esvaem. Assim como as palavras que surgem tão lentamente esta madrugada. Não sou capaz de ir muito mais além do que está aqui. Assim como o rio que perde a sua força para chegar até o mar. Tudo é igual. Tudo se repete. O longe e o perto, alegrias e tristezas. A mesma lua cheia.
Isso pode parecer perturbador, triste, depressivo. O pensamento parece se deslocar por vários pontos. Assim que evoco uma coisa, uma metafora, ela me devolve a realidade. Há um acúmulo de vontade que me sinto como o rio represado, contida.
Na verdade, nos ultimos dias tenho sido tomada de uma dúvida. Não sei se serei capaz de terminar esta história. Porque tudo é incompatível com a linguagem. Na medida que a história resiste as palavras e a sua ordem, é a medida exata de quão perto cheguei de inscrever a metáfora no coração. E quando chega o momento de inscreve-la, a coisa mais importante (supondo que ainda exista), talvez não seja mais capaz.
O tempo do rio acontece. Como já foi dito, o seu leito foi mudado. E só agora percebo o quanto. O ato de escrever é como manter esta ferida aberta para cicatrizar. Quem sabe a dor não saia catarticamente pela pressão dos meus dedos no teclado. E assim o rio poderá desaguar suas águas em turbinas para produzir energias.

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