"Meu livro e meu diário interferem um noutro constantemente. Eu não consigo separá-los. Nem consiliá-los. Sou uma traidora com ambos. Sou mais leal ao diário, porém colocarei páginas do me diário no livo, mas, nunca páginas do meu livro no diário, demonstrando uma fidelidade humana à autenticidade humana do diário" ANAIS NÏN

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A flor

Estava arrumando o armário. Estava a perguntar o por que de tudo aquilo. Tanta coisa. Tanta desorganização. "_ Nunca vou usar tudo ao mesmo tempo." Mas seria mesmo tudo tão desorganizado assim? Seria ela a desorganização em pessoa?
Embora as as blusas, as calças, as saias estivessem relativamente em seus lugares, havia um quê de caos. Até que... em uma das gavetas, estava ela... a flor.
Seu primeiro impulso foi sorrir. Em um breve instante havia sido transportada para uma outra época. De volta ao seu inexistente carro, num estacionamento que já não mais ocupava e com alguém que jamais lhe pertenceu.
Olha o quarto revolto e se dá conta de como o tempo passou. De como vivia agora outra vida. Quantas vida podemos viver dentro de uma mesma vida? - se perguntava silenciosamente. É como se já tivesse sido várias pessoas numa só. Várias histórias numa só. Vida.
A música não é mais a mesma, as fantasias já não são mais as mesmas e nem a cor do seu cabelo é mais a mesma. Só seu nome não mudou.
Muda,calada, ressentida em si mesma. Fechada. É assim que ela deve ser. A solidão é a sua bandeira. Não é melancólio, nem triste. Apenas uma escolha. É um segredo. O segredo de uma vida. Assim como a flor. Um segredo compartilhado com pessoas daquela época, que também não são mais as mesmas de agora.
Pensa em como algo que parecia ser mais algumas frases de impacto tornam-se em algo que se esboça como um conto. Quem conta um conto, aumenta um ponto. Apartir do momento que ela contar a história, ela deixa de ser dela e passa a ser de todos. Uma forma interessante de se perder aos poucos.
Conta que vestida de Rapunzel, com sua longa trança de rosas falsas com um falso príncipe. Viveu o que se diz um momento de mulher e não um momento de felicidade. Em um carro que em menos de dois anos deixaria de existir, assim como este encontro não realizado entre estas falsidades.
Ela passa a mão no cabelo. Doma o cabelo, amarra, como se amarrasse a si mesma. Lembra da música. "Não fique magoada" E não ficou. Não é para ficar. As mágoas são dedicadas à pessoas especiais, é como um cálice de cicuta. Um veneno doce que mata o coração e amarga a alma. A mágoa não é e nem deve ser dedicada a momentos. Estes pequenos fotogramas que nos servem para alimentar a alma e dar um certo consolo de que a existência não é tão inútil assim.
Voltando a cena em questão. Em nada havia de romantismo. Era apenas o falso príncipe falando da sua banda favorita. Olhando para trás não há mágica. Mesmo as entradas e saídas dele em sua vida. Ambiguidades a parte. Um dia que ele saiu, ela resolveu fechar a porta. De vez. Como sempre faz. Fecha a porta, tranca e não olha mais para ela. Pode-se imaginar que a sala da casa dela seja cheia de portas fechadas. Cada uma com o seu formato, cor e material específico. Algumas portas, são um pouco mais frágeis. Talvez, quem saiu por ela pudesse forçar um pouco a entrada e entraria. Mas ela sabe que as pessoas não são bumerangue, não se joga para longe, esperando que volte.
Mas de tudo que ela conta ficou a banda, a música, a história e a flor.
Não havia nada banal, vulgar ou carnal. Mas uma afinidade particular. Não só pelo gosto da banda que tocava no K7 desgastado, mas nas noites a fio que ficavam juntos. Apenas juntos. Aproveitando um da cia do outro, da presença, do abraço.
O olhar dela se perde ao longe. Ela sabe que aproveitou o máximo e usou tudo ao máximo. Tudo era rápido e foi. Fulgaz em relação a ele. E incerto por ela. A ela restou o que entenderia só mais tarde, arrumando um armário.
A fronteira é fina entre o conto de fadas e a novela mexicana piegas. Todos os elementos estão em ambas as coisas. O que dá o tom é a forma de contar. A forma com que se encontravam cada vez.
Ela se pergunta se para ele era da mesma forma. Pergunta impossível de resposta. Haviam outras pessoas que entravam e saiam de sua vida, quanto ele sumia como o Holdini. Com o falso príncipe ela aprendeu a ser mais ludica, a dar espaço para quem e não só que ela quisesse que entrasse em sua vida, o que era estar junto por estar junto. Aprendeu a dormir quando o corpo não suportasse mais. Acordar embrulhada num abraço sincero. Eram as melhores coisas de se estar com alguém.
A graça da vida não estava na realidade, naquela que explicamos com senso comum, facilmente. metas fazem parte, mas não são nada sem o sonho. Os planos não podem se concretizar se não tiver um pouco de insanidade, um pouco de esforço para ir além.
O gosto do café e do cigarro na madrugada. Lembra-se em seguida de como foi inexplicável e ainda é o ditado popular: dois bicudos não se beijam. Por que duas pessoas de natureza parecida e encaixada não podem dar certo? Por que parece sempre faltar alguma coisa?
Talvez uma resposta para esta pergunta se esboça. É porque este outro deixa de ser o não eu e passa a corresponder a um eu, externo. Daí fica dificil aceitar atitudes que não seriam parecidas ou as mesmas que a sua.
A nossa heroína não se desgasta perguntando além disso, pois nunca precisou de mais fantasmas em sua cabeça, além dos que já possui. Ela própria já é uma casa mal assombrada, mas que seja pelo menos de um parque de diversão.
Aprendeu o que havia para se aprender. Se guardou desde o dia que se fechou a porta. Agora, espera de frente com uma porta aberta uma figura tomar conta de seu olhar, do centro do espelho e do lado vazio da sua cama. E tudo ficará para trás. Assim como a flor que ela encontrou perdida no meio de sua bagunça. A flor que deu de volta a ela a mensagem que precisava neste momento.
Ela pega a flor e se dá conta que a vida é um grande ensaio. Coisas dão certo, outra também. Mesmo no ensaio de uma relação. Num esboço de um amor. No início de uma paixão. A vida dá e a vida toma. Tudo se torna apenas uma questão de como viver estas coisas enquanto estão acontecendo. Depois, tudo vira caracteres. Não importa a ela saber se foi amada, porque também não soube amar. E se pergunta se algum dia saberá amar.
Agora o espaço do armário está arrumado. Espera a chegada de roupas novas e das malas. Como seu coração desorganizado tem um espaço para a chegada do principe de verdade.

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